quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Em Israel, árabes são cidadãos de segunda classe

Minoria carece de direitos políticos, recebe salários menores e vive em zonas periféricas. 


por Marsílea Gombata — Carta Capital - 23/11/13



Protesto de palestinos pelo aniversário de morte de Yasser Arafat
Protesto de palestinos pelo aniversário de morte de Yasser Arafat,
em 11 de novembro, na parte leste de Jerusalém - AHMAD GHARABLI / AFP
Fundado em 1948 com o objetivo de ser um lar para um povo que sofreu
atrocidades históricas indefensáveis, o Estado de Israel se autodefine por dois princípios: judeu e democrático. São adjetivos que o moldam e deveriam, em tese, funcionar como elementos edificadores de um país guiado pela harmonia e tolerância. A prática, no entanto, fala outra língua: o peso da palavra “judeu” se sobrepõe ao da palavra “democracia”, apresentando um paradoxo para árabes e outras minorias que compõem seu mosaico.

Com menos voz, os árabes em território israelense vivem hoje um regime de segregação que beira o apartheid: têm menos direitos políticos, cidadãos e sociais. Ou seja: 20% da população israelense (1,43 milhão de árabes) não votam em todas eleições, vivem em zonas mais pobres e, em geral, ocupam postos de trabalho menos qualificados, em setores como construção, serviços (garçons, faxineiros, cozinheiros), e, em menor número, na agricultura.

De modo geral, os judeus em Israel ganham mais do que os árabes que vivem em território israelense, que, por sua vez, ganham mais que os árabes da Cisjordânia e da Faixa Gaza. Segundo o Centro Árabe para Planejamento Alternativo, o PIB per capta entre a população judia é três vezes maior do que entre os árabes - 20 mil dólares contra 6.750 dólares. Levantamento do Comitê Israelense Contra a Demolição de Casas (Icahd), que milita contra a ocupação dos territórios palestinos por colonos israelenses, mostra também que na Faixa de Gaza e na Cisjordânia o PIB per capta é ainda mais baixo e gira em torno de 1.800 dólares.

De norte a sul, quando se cruza o país, a impressão é sempre a mesma: as construções mais simples e em zonas periféricas são moradias de árabes (que se dividem entre a maioria muçulmana e uma minoria cristã), enquanto as casas e edifícios mais luxuosos em bairros mais ricos cabem aos judeus (ultraortodoxos, ortodoxos ou os chamados “laicos”, que não veem na religião um eixo central).

“Somos uma minoria que nunca tem direitos nacionais. O governo de Israel, inclusive, mais de uma vez se referiu a nós como a quinta coluna, um perigo demográfico”, observou o imã Rafat Awedar sobre sua etnia. “Lamentavelmente, há uma grande quantidade de movimentos que busca nos transformar em ilegais. Mas somos cidadãos que deveriam ter os mesmos direitos que os outros”.

Da mesma opinião compartilham autoridades, como o vice-prefeito de Jerusalém, o peruano Yosef “Pepe” Alalu, onde a segregação é ainda mais dramática. “Muitos dos árabes não são cidadãos israelenses, apenas residentes, e isso faz muita diferença. Ser residente é ser cidadão de terceira categoria. Eles não recebem o que necessitam, como os outros”, observa sobre 95% dos 280 mil palestinos que vivem em Jerusalém.

A própria cidade, sagrada para o cristianismo, o judaísmo e o islã, é exemplo do abismo socioeconômico entre árabes palestinos (com documentos fornecidos pela Autoridade Nacional Palestina) e árabes israelenses (com cidadania israelense), e judeus israelenses. Para a comunidade internacional, a anexação de parte de Jerusalém Oriental por Israel em 1967, depois da Guerra dos Seis Dias, é tão ilegal quanto a ocupação da Cisjordânia, uma vez que não obedece às resoluções internacionais, como a 242 da Organização das Nações Unidas, que exige a desocupação dos territórios da Cisjordânia, da Faixa de Gaza, de Jerusalém Oriental, assim como da península egípcia do Sinai (já devolvidas) e das colinas de Golã, da Síria. Assim, o terço da população palestina hoje em Jerusalém vive em bairros anexados por Israel há 46 anos. O polêmico Muro da Separação, que também passa por Jerusalém e foi construído por Israel para isolar a Cisjordânia do restante do território israelense, é outro indicativo de realidades distintas para as partes: enquanto os judeus o chamam de Cerca de Segurança, os árabes se referem a ele como Muro do Racismo.

Como discorda radicalmente da ocupação da Cidade Santa por Israel, a grande maioria árabe acaba se abstendo de votar nas eleições municipais (às quais têm direito), fazendo com que o índice de comparecimento às urnas beire o zero. Nas eleições nacionais de Israel essa parcela não vota, podendo escolher somente representantes em eleições dos territórios palestinos – processo que, desde a cisão entre o Fatah e o Hamas em 2007, está travado tanto na Cisjordânia quanto na Faixa de Gaza. Já no Knesset (Parlamento israelense), dos 12 partidos políticos que o compõem apenas três são árabes, assim como 10% dos 120 parlamentares.

“A política do governo de Israel é para que nos sintamos cada vez menos árabes”, observou o líder palestino em Jerusalém Oriental Saman Khoury, diretor do Fórum pela Paz e Democracia, sobre os 380 mil árabes da cidade (eram 68 mil em 1967). “Mas, do ponto de vista político, o fato de não termos aceitado a criação do Estado de Israel e a partilha em 1948 fez com que nos tornássemos o que somos hoje: um povo refugiado e sem Estado.”

No ano da criação do Estado de Israel, lembra Muhammad Darausha, diretor da Fundação Abraham, que busca melhorar as relações entre árabes e judeus, duas eram as opções para os árabes que ali viviam: ir embora ou seguir sob a perspectiva de um futuro incerto. “E 154 mil decidiram continuar aqui, com a promessa de igualdade social e política, prevista na declaração de princípios do que deveria ser um país não apenas judeu, mas também democrático.”

Mesmo assim, ele mantém um quê de esperança no futuro: se há dez anos apenas 4% dos universitários de Israel eram árabes e 1% buscava um segundo título acadêmico, hoje 12% dos universitários são árabes e 6% fazem pós-graduação. Segundo Darausha, hoje 29% do mercado de trabalho feminino é composto por árabes, contra os 18% de 2006. Além disso, ele ressalta, o governo israelense se mostrou disposto a investir anualmente 500 milhões de shekels (323 milhões de reais) em iniciativas em prol do desenvolvimento da comunidade árabe.

“A grande pergunta é: qual é o real interesse nacional de Israel? É o interesse da nação israelense ou da nação judia? Trata-se de um país de 79,5% de seus habitantes ou de todos?”, questiona. “Israel se define como um Estado judeu e democrático. Mas acaba sendo judeu com os árabes e democrático apenas com os judeus.”



*A repórter foi enviada por CartaCapital para Israel para participar do curso Os Meios de Comunicação em Zonas de Conflito, promovido pelo Ministério das Relações Exteriores israelense

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