quarta-feira, 28 de julho de 2010

Netanyahu confessa em vídeo secreto ter destruído o acordo de Oslo | Portal Arabesq

Um vídeo revelado pelo canal 10 israelense causou arrepios de Binyamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, que deve estar rezando para não se espalhar pelo mundo.

Seu conteúdo ameaça constranger seriamente não só Netanyahu, mas também a administração de Barack Obama, o presidente dos Estados Unidos.

O vídeo foi filmado, aparentemente, sem o conhecimento de Netanyahu, nove anos atrás, quando o governo de Ariel Sharon começou a invadir as principais cidades da Cisjordânia para esmagar a resistência palestina nos estágios iniciais da segunda Intifada.

Na época Netanyahu havia se afastado um pouco da política, mas logo se juntou ao governo de Sharon como ministro das Finanças.

Em uma visita a uma casa no assentamento judaico de Ofra, na Cisjordânia para prestar condolências à família de um israelense morto em confrontos com palestinos, ele faz uma série de revelações sobre seu primeiro período como primeiro-ministro de Israel de 1996 a 1999.

Sentado em um sofá na casa, ele pede para desligar a câmera antes de dizer à família que enganou o presidente dos Estados Unidos da época, Bill Clinton, fazendo-o acreditar que desejava ajudar a implementar o acordo de Oslo - um acordo apoiado pelos Estados Unidos para a paz entre Israel e os palestinos – usando de pequenas retiradas da Cisjordânia, enquanto, na verdade, ele consolidava a irreversibilidade da ocupação. No vídeo Netanyahu se gaba de destruir o acordo de Oslo dessa forma.

Ele ainda afirma que “os Estados Unidos podem ser manipulados facilmente para a direção certa (para Israel)” e chama de “absurdos” os altos níveis de apoio popular norte-americano para com Israel.

Netanyahu também sugere que, longe de ser defensiva, a dura repressão militar israelense da revolta palestina foi projetada principalmente para esmagar a Autoridade Palestina liderada por Yasser Arafat, para que pudesse ser mais flexível e aceitar as exigências israelenses.

Todas essas alegações tem paralelos óbvios com a situação atual, com Netanyahu novamente como primeiro-ministro de Israel, enfrentando a Casa Branca e se opondo à sua política de reativar o processo de paz e limitar a expansão dos assentamentos israelenses em territórios palestinos ocupados.

Como no passado, ele tem aparentemente feito concessões públicas à administração dos Estados Unidos concordando em princípio com a criação de um Estado palestino, autorizando a realização de conversações indiretas com a liderança palestina em Ramallah, e declarando um congelamento temporário na construção de assentamentos.

Mas, os mesmo tempo, ele pediu ao poderoso lobby pró-Israel para exercer pressão sobre a Casa Branca, que parece ter cedido suas exigências mais importantes, e manteve na prática a expansão dos assentamentos, a desapropriação e expulsão dos palestinos, o bloqueio a gaza, e não permite a criação do Estado Palestino.

A visão desdenhosa de Netanyahu sobre Washington demonstrada pelas suas próprias palavras no filme, e as confissões orgulhosas de ter destruído o acordo de paz confirmam as suspeitas de muitos observadores - incluindo os líderes palestinos - que acusam Netanyahu de má fé quanto à busca pela paz no Oriente Médio.

Escrevendo no jornal israelense Ha'aretz liberal, o colunista Gideon Levy chamou o vídeo de "escandaloso" e prova que Netanyahu foi um artista "que acredita ter Washington no bolso e pode enganá-la quando desejar". Ele acrescentou que o primeiro-ministro não mudou ao longo dos anos.

No filme, Benjamin Netanyahu diz que Israel deve provocar "sopros (ataques sobre os palestinos), tão dolorosos, que o preço seria muito pesado para ser suportado ... Um amplo ataque à Autoridade Palestina, para aterrorizá-la e fazê-la acreditar que tudo está em colapso”.

Quando perguntado se os Estados Unidos podem se opor a isso, ele responde: "A América é algo que pode ser facilmente manipulado. Mudado para a direção certa ... Eles não vão ficar no nosso caminho ... Oitenta por cento dos norte-americanos nos apóiam. É um absurdo".

Ele então conta como lidou com o presidente Clinton, a quem ele se refere como “extremamente pró-palestino.. Eu não tinha medo de entrar em conflito com Clinton”.

Netanyahu teria usado um conselho de seu avô para fracassar as demandas da Casa Branca pela retirada do território palestino sob o acordo de Oslo. Diz ele: “Como meu avô diria, é melhor dar 2% do que 100%”.

Ele assinou o acordo de 1997 para retirar o Exército israelense de grande parte de Hebron, a última cidade palestina sob ocupação direta, como forma de evitar maiores concessões de territórios palestinos.

"O truque", diz ele, "não é continuar lá (no território ocupado) e falir, o truque é estar lá e pagar um preço mínimo."

O "truque" que paralisou a retirada israelense foi ditar que só Israel pode definir as “zonas militares de segurança” nos territórios palestinos ocupados sob o acordo de Oslo. Netanyahu exigiu por escrito tal poder, com isso podia manter a ocupação de forma justificada pelo acordo.
"Eles não queriam me dar esta carta, então não dei a eles o acordo da retirada de Hebron. Parei a reunião do governo, e disse: 'Eu não vou assinar. Apenas quando a carta chegar eu assino o acordo de Hebron’. Por que isso importa? Porque naquele momento eu realmente parei o acordo de Oslo" confessou Netanyahu.

fonte: http://www.arabesq.com.br/Principal/Pol%C3%ADtica/PoliticsArticle/tabid/79/ArticleID/2059/Default.aspx

domingo, 25 de julho de 2010

As raízes do excepcionalismo de Israel

28/6/2010, Mohamed El-Moctar El-Shinqiti
 
Um professor norte-americano disse-me, certa vez, que “muitos, no mundo islâmico, pensam que os EUA não crêem em direitos humanos. Estão errados. Os EUA crêem em direitos humanos, sim. O problema é o que os EUA entendem por ‘humano’.”

Em outras palavras, a definição de “humano” nos EUA não é a mesma que opera no resto do mundo. Essa não é característica exclusiva dos norte-americanos; cada cultura enfrenta de um determinado modo o desafio de ampliar os próprios limites culturais e universalizar suas normas morais.

Mas dentre todas as culturas e ideologias humanas, o caso israelense é único, campeão absoluto de dois pesos e duas medidas. Criminalidade travestida de nobreza moral e agressão travestida de vitimismo são dois traços sempre presentes na realidade e no discurso dos israelenses.

A personalidade de Israel

A dualidade da “ênfase insistente que Israel dá ao próprio isolamento e à ambição de ser única, sem similar no mundo; a insistência em mostrar-se ao mesmo tempo como vítima e heroína”, como Tony Judt escreveu no Haaretz há alguns anos, reflete a fragilidade e a auto-referência, o autismo autocentrado na personalidade de Israel. Não é traço, infelizmente, exclusivo da elite política israelense, mas espalha-se pelos sionistas de todo o mundo que apóiam Israel, os mesmos que, como o escritor Elie Wiesel e o filósofo Bernard-Henri Lévy, criaram para eles mesmos imagens humanísticas e estéticas.

Sou dos que se emocionaram profundamente ao ver a descrição das atrocidades cometidas durante o Holocausto e que se lêem no livro Night de Elie Wiesel. Lá se vê a experiência do autor e de seu pai de processo terrível que viola a vida e degrada a dignidade humana.

Mas incomodou-me muito o tom de autoelogio e autojustificação que se lê em Dawn, obra de ficção do mesmo Wiesel, quando escreve: “O mandamento ‘Não matarás’ foi entregue no pico de uma das montanhas aqui na Palestina, e fomos os únicos a respeitá-lo. Mas, apesar disso, nos dias, semanas, meses que virão, vocês só terão uma meta a alcançar: matar todos os que nos converteram em matadores.”

Quando o juiz sul-africano Richard Goldstone expôs os crimes que os israelenses cometeram em Gaza, Wiesel disse que teria havido “crime contra o povo judeu”. Aí está: é uso imoral de atrocidades passadas, pra inventar justificativa moral para brutalidades atuais e opressão atual.

Além do mais, podem-se propor duas perguntas. Primeira, que direito exclusivo Wiesel reivindica para si, ele que nasceu de pai romeno e mãe húngara e que de nenhum modo estaria racial ou historicamente representado no Monte Sinai, no momento da entrega dos Mandamentos, em pleno coração de um deserto no Oriente Médio? Segunda, por que regra moral ou legal os palestinos de hoje seriam responsáveis por erros de alemães de ontem?

Mitos interessados, de autojustificação

O pior dessa linguagem de hipocrisia, contudo, apareceu no artigo assinado por Bernard-Henri Lévy sobre a agressão israelense contra a Flotilha da Paz em Gaza, publicado no Haaretz dia 8/6/2010.

Lévy apresenta-se em termos autoglorificantes, como “alguém que se orgulha de ter ajudado a conceber, com outros, esse tipo de ação simbólica (um barco para o Vietnã; a marcha pela sobrevivência do Cambodia, em 1979)...”.

No que tenha a ver com o suplício de Gaza, contudo, Lévy descarta a tragédia e simplesmente nega que haja o bloqueio israelense de Gaza e os ataques a alvos sitiados, e refere-se a “o governo fascislâmico de Ismail Haniya” e “a gangue islâmica que tomou o poder pela força há três anos.”.

Assim, sem se envergonhar, faz sumir o grande esforço de um grupo multiétnico, multinacional e de várias religiões, de líderes humanistas e pacifistas que se reuniram na Flotilha da Paz.

Não bastasse, não há qualquer objetividade na crítica e o autor nada diz das gangues fascisionistas – para recolher a terminologia dele – que agressivamente invadiram terra palestina há 60 anos, arrancaram de lá a população autóctone e a cercaram em novos Auschwitz e Buchenwald – os campos de concentração de Gaza e da Cisjordânia.

De fato, para quem ponha seus desejos autocentrados e egoístas acima dos princípios da justiça e da compaixão, os seus próprios mitos interesseiros, de autojustificação, são muito melhores, aos olhos deles mesmos, que a feia verdade que aí está.

Intelectuais judeus humanistas, como o professor Tony Judt e o músico Gilad Atzmon deploram a autoindulgência e a falta de maturidade dos israelenses. Judt escreve: “Israel ainda se comporta como adolescente: consumida na autoconfiança delirante de que seria única, certa de que é única no mundo; certa de que ninguém ‘a compreende’ e de que o mundo está ‘contra ela’; plena de autoestima ferida, rápida no ofender-se e rápida no ofender o próximo (...), certa de que pode fazer o que bem entenda, que suas ações não geram consequências e de que é imortal.”

Atzmon escreve: “Lidamos aqui com nação seriamente perturbada, imatura. Lidamos com uma criança narcisicamente autoapaixonada (...). Por mais que os israelenses se amem e amem uma infância ilusional fantasmática, quanto mais firmemente acreditarem na própria inocência, mais temerão que o mundo exterior seja tão sádico quanto os próprios israelenses provaram ser. A esse tipo de comportamento chama-se ‘projeção’. Os judeus têm boas razões para viverem apavorados. Seu Estado nacional é entidade genocida.”

‘Holocaustianidade’

O que mais desaponta, contudo, não é nem o narcisismo nem a empáfia dos sionistas. O que mais desaponta é a aceitação e o apoio que recebem do Ocidente, para sua atitude –que se compreende melhor se a situamos no contexto histórico.

O principal substrato teórico para a aceitação, na cultura ocidental, do excepcionalismo de Israel é uma variante – sobretudo no ramo protestante da cristandade –, da encarnação do Deus cristão na pessoa de Jesus, para uma nova encarnação de Deus, dessa vez nos judeus como povo, o “povo escolhido”.

Essa tendência começou com Martim Lutero (1483-1546) que reduziu a cristandade, teologicamente e moralmente, ao fator judeu, na pequena epístola “De Jesus Cristo nascido Judeu”. Lutero escreveu, nessa epístola: “Quando nos sentirmos inclinados a nos orgulhar de nossa posição, relembremos que somos gentios, e só os judeus são da linhagem de Cristo. Somos estranhos, não somos parentes de sangue. Os judeus são parentes de sangue, primos e irmãos de nosso Senhor.”

Através desse Lutero – o qual, paradoxalmente, foi aplicado antisemita – inadvertidamente se abriu uma janela teológica, a qual, séculos mais tarde, permitiria que o ‘culto de Israel’, como observou Grace Halsell, escritora norte-americana, substituísse a cristandade em quase todos os ramos da religião protestante, sobretudo entre os Batistas norte-americanos. Afinal, o que fazem hoje não passa de implementação literal da deificação, operada por Lutero, dos judeus.

A professora Yvonne Haddad do Centro para o Entendimento entre Muçulmanos e Cristãos da Georgetown University chama essa heresia de “holocaustianidade”. Nessa nova heresia estão as raízes do excepcionalismo israelense.

Trivializar o Holocausto

O professor Judt escreve que “O que Israel perdeu pela ocupação continuada de terras árabes é ganho, por outro lado, mediante a íntima identificação com a memória recuperada de judeus europeus mortos.” Mas o autor sabe muito bem que a memória dos mortos é a pior justificação moral que há, se se matam inocentes: “Aos olhos do mundo que observa, o fato de que o bisavô de um soldado judeu tenha morrido em Treblinka não obriga ninguém a perdoar o soldado bisneto, se abusa de uma mulher palestina que espera para atravessar um posto de controle de Israel. Não basta dizer ‘Lembrem Auschwitz’. Essa não é resposta aceitável.”

Pois essa é, precisamente, o tipo de justificação moral que Israel oferece ao mundo, hoje.

Quando um conselheiro de Shimon Peres, presidente de Israel, tentou atacar a resposta de Helen Thomas, que dissera que os israelenses deveriam “ir embora, voltem [para] a Polônia, a Alemanha!”, a única coisa que achou para dizer foi lembrar a ela que seus parentes haviam sido mortos na Polônia e na Alemanha há mais de meio século, como se essa fosse razão suficiente para explicar que os palestinos sejam postos a morrer de fome, ou para matar ativistas humanistas pacifistas em águas internacionais, hoje. Afinal, o conselheiro do presidente de Israel apenas confirmou o que Helen Thomas havia dito: “Vocês são europeus, não são daqui.”

Assim, a memória do Holocausto, a memória de uma tragédia humana gigantesca, sem limites, está sendo trivializada pela criminalidade dos israelenses.

Peso moral

Analistas políticos e políticos já perceberam que Israel vai-se convertendo em peso e ameaça estratégicos para os EUA. De fato, sempre foi um peso estratégico. Mas o problema é muito mais profundo que isso. Israel está-se tornando também peso moral que já ninguém com consciência ética suporta carregar, inclusive judeus, claro, para os quais a dignidade humana e a justiça social sejam valores a defender.

Muitos que dedicaram a vida a promover a causa sionista começam a ver hoje o paradoxo moral que se oculta no projeto sionista. Henry Siegman, escritor alemão-norte-americano que trabalhou como diretor executivo do Congresso Americano-judeu de 1978 a 1994, escreveu no jornal Haaretz de 11/6/2010: “Um milhão e meio de civis foram forçados a viver numa prisão a céu aberto, em condições desumanas, já faz mais de três anos. Diferente do que aconteceu nos anos de Hitler, hoje não são judeus. Hoje são palestinos. Os carcereiros, inacreditavelmente, são sobreviventes do Holocausto ou descendentes deles.”

Todos os seres humanos decentes têm, hoje, de defender os palestinos oprimidos, contra o opressor israelense. Os árabes oprimidos da Palestina (muçulmanos e cristãos) prestam, com seu sofrimento, grande serviço a toda a humanidade: obrigam a ver a ideologia israelense de supremacia, a mais autocentrada ideologia que há no planeta – uma ideologia israelense de violência e terror, exibida ao mundo em manto banhado em sangue.



Mohamed El-Moctar El-Shinqiti é pesquisador-coordenador da Qatar Foundation, especialista em história política e história das religiões.

http://english.aljazeera.net/focus/2010/06/20106146372913751.html

Seguidores: