quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

ISLANDIA: A CRISE EUROPEIA E A QUESTÃO PALESTINA!


A principio, pode parecer que o não reconhecimento ao Estado da Palestina e sua admissão como membro pleno da ONU, por parte dos países da Europa ocidental, não tenha nenhuma vinculação com a crise financeira e social na Europa.

Será que o caminho trilhado pela Islândia para enfrentar o vendaval da crise, de independência e não aceitação do receituário do FMI, criaram as condições para o reconhecimento do Estado da Palestina?

Um governo soberano que não aceita as imposições das potencias ocidentais e do sistema financeiro internacional, que via de regra são os aliados primeiros das politicas israelenses, tendo a frente os EUA, teria mais condições de apoiar a autodeterminação dos povos e sustentar o reconhecimento do Estado palestino?

Leiam os artigos abaixo e tirem as suas conclusões!

Emir Mourad

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Islândia é o 1º país da Europa Ocidental a reconhecer Palestina

Folha.com / Mundo
30/11/2011

A Islândia tornou-se nesta quarta-feira o primeiro país da Europa Ocidental a reconhecer os territórios palestinos como um Estado independente, informa o jornal israelense "Haaretz".

A medida foi aprovada por 38 votos, num Parlamento de 63 assentos, no mesmo dia em que a ONU (Organização das Nações Unidas) celebra seu anual "dia de solidariedade" com o povo palestino.

"A Islância é o primeiro país da Europa Ocidental a tomar este passo. Eu tenho agora a autoridade formal para declarar nosso reconhecimento da Palestina", disse o chanceler islandês, Ossur Skarphedinsson à emissora de TV estatal RUV.

Na sede das Nações Unidas, o delegado observador palestino Riyad Mansour reafirmou a determinação da ANP (Autoridade Nacional Palestina), de buscar sua adesão como membro pleno da entidade, conforme o pedido que movimentou a comunidade internacional neste ano.

"Ao mesmo tempo, o Parlamento exorta israelenses e palestinos a buscarem um acordo de paz com base na legislação internacional e as resoluções da ONU, que incluam o reconhecimento mútuo do Estado de Israel e do Estado da Palestina", diz o texto aprovado pelo Parlamento islandês.




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Revolução na Islândia à Margem Esquerda da Europa

25/11/2011

A Islândia nos mostra (apesar da nossa mídia esconder) que existe uma maneira muito viável e bem melhor que o resto da Europa para combater a crise econômica.

Fazendo a Revolução!

Em 2008, todos os bancos na ilha nórdica europeia quebraram abrindo um rombo enorme no setor financeiro do país, o Governo em vez de combater a crise com mais neoliberalismo, teve a "insensatez" de nacionalizar os principais bancos. Que loucura!

Protestos da Revolução Islandesa


Mas chega 2009 e o FMI não gostou desse negócio de nacionalização de bancos e pressiona a Islândia a pegar US$ 2 milhões emprestados, a população não gostou nada e foi às ruas, organizando um grande protesto em frente ao Parlamento Islandês. Consegue-se derrubar o Primeiro-Ministro conservador, o primeiro governo derrubado em decurso da crise, em março uma coalizão de esquerda ganha as eleições e assume o governo. Em maio foi feito um referendo sobre o pagamento da dívida adquirida com o FMI e outros países nórdicos, vitória arrasadoras do NÃO pagamento com 93%. Mais uma loucura! Mais essa não vai ficar impune, o FMI bloqueia todas as contas internacionais da Islândia.

Mediante a todo esse conflito econômico o novo Governo Islandês inicio uma investigação para responsabilizar os culpados pela crise, iniciando assim várias detenções de banqueiros e executivos e consegue-se um mandato de prisão ao um ex-presidente (do partido conservador).

Hoje a Islândia é um país em reestruturação, é uma pequena ilha, sim é bem pequena, mas já vimos outra ilha bem pequena no Caribe nos dando lições de como podemos viver sob outro paradigma. A União Europeia tentou cooptá-la, mas seu povo rejeitou a adesão ao bloco em outro referendo. Mais uma loucura democrática!
Bandeira da Islândia ao lado da de Che, nos protestos do Parlamento

O economista e Prêmio Nobel Paul Krugman deu a sua opinião, na sua coluna no NYT, sobre o acontecido:
"Enquanto os demais resgataram os banqueiros e fizeram o povo pagar o preço, a Islândia deixou que os bancos quebrassem e expandiu sua rede de proteção social. Enquanto os demais ficaram obcecados em tentar aplacar os investidores internacionais, a Islândia impôs controles aos movimentos de capital (...). A recuperação econômica da Islândia demonstra as vantagens de estar fora da zona do Euro."

Essas notícias não vemos nos noticiários. Parece que outra Revolução está a caminho no Egito e essa não tem a ver com a crise econômica, mas sim com a crise na estrutura social. Parece também que tanto na Islândia como no Egito o povo conseguiu adquirir algo fundamental, a CONSCIÊNCIA.


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Ex-premiê da Islândia é julgado por seu papel na crise bancária de 2008
Juízes decidirão se Geir Haarde pode ser responsabilizado pelo colapso do setor bancário do país

Gabriel Bueno, da Agência Estado
05/11/2011

REYKJAVIK - O ex-primeiro-ministro da Islândia Geir Haarde torna-se nesta segunda-feira o primeiro líder político a ser julgado por causa da crise financeira global. Juízes decidirão se ele pode ser responsabilizado pelo colapso do setor bancário nacional.

Haarde rechaça as acusações, afirmando que são uma farsa. Ele foi um dos quatro políticos apontados em um relatório no ano passado como culpados por contribuir para o incrível colapso econômico do país, quando os principais bancos islandeses faliram em semanas.

O Parlamento decidiu em setembro passado que Haarde era o único que deveria ser acusado por "grave negligência" e assim ele será o primeiro a comparecer ao Landsdomur, um tribunal especial nunca antes utilizado, destinado a atuais e ex-ministros do país europeu.

Haarde, de 60 anos, diz que o julgamento é uma farsa movida por desafetos políticos. Ele deve apresentar seu terceiro pedido pelo arquivamento do caso. Analistas políticos criticaram a decisão do Parlamento de apresentar acusações contra o ex-premiê. "Infelizmente, o Parlamento não agiu com inteligência quando decidiu apresentar acusações", afirmou Gunnar Helgi Kristinsson, cientista político da Universidade da Islândia, em entrevista à France Presse. Segundo ele, disputas pessoais envolvendo membros do grupo que era oposição estão por trás das acusações.

O atual ministro das Finanças, Steingrimur Sigfusson, tem sido um dos principais adversários de Haarde. Ele argumentou que o caso é importante, em princípio. "Quando ficou claro que estávamos caminhando para uma catástrofe...o histórico mostra que muito pouco foi feito para evitá-la", disse Sigfusson recentemente, explicando o porquê de achar o julgamento necessário.

Haarde insiste que seu governo "salvou o país da bancarrota". Ele afirma que se o governo tivesse agido de maneira diferente quando os bancos faliram, em outubro de 2008, a economia iria ladeira abaixo. Quando o setor financeiro islandês implodiu, seus três principais bancos mantinham ativos em um valor equivalente a 923% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

"Nós precisávamos deixá-los ir. Eles faliram, e ficou claro agora que esta foi a coisa certa a fazer", disse Haarde. Segundo ele, "houve um colapso bancário, mas a economia real, toda a capacidade produtiva no país foi mantida intacta e ainda está operando". A falência dos bancos provocou uma profunda recessão e fez a coroa islandesa se desvalorizar muito.

Haarde, o chefe do direitista Partido Independência, que manteve o governo entre meados de 2006 e o início de 2009, foi deposto em meio a grandes protestos populares por causa da crise. A economia voltou gradualmente a crescer e observadores dizem que o país pode não precisar das últimas parcelas de um pacote de ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI). As informações são da Dow Jones.



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Lições para Portugal

A crise económica na Islândia: o remédio do FMI não é a solução

08/Abril/2011

por Michael Hudson

Descrição: Cartoon de Riber Hansson.Será que a Islândia votará "Não" em 9 de Abril? Ou cometerá um suicídio financeiro? 

Um ano atrás, em Março de 2010, a economia da Islândia era tão pequena que não despertou muita atenção quando 93% dos seus eleitores rejeitaram a rendição do governo Social-Democrata–Verde a Gordon Brown e holandeses, à burocracia da União Europeia (UE) e a exigências do FMI de impor austeridade como penitência por acreditar no conto de fadas neoliberal de que desregulamentação bancária e "mercados livres" a tornariam o país mais rico e mais feliz do mundo. Na verdade ela parecia ser, conforme dados das Nações Unidas. Mas o sonho foi obliterado depois de agências do banco electrónico pela Internet Icesave terem sido depenadas pelos seus proprietários. 

A Grã-Bretanha e a Holanda pagaram mais de US$5 mil milhões a cerca de 340 mil dos seus próprios depositantes a quem as suas próprias agências de supervisão bancária deixaram de advertir acerca do saqueio em curso. Disseram então que os contribuintes islandeses deveriam arcar com o custo, como tributo virtual. 

O sonho foi a promessa neoliberal de que incorrer em dívida era o meio de ficar rico. Ninguém naquela época previu que assumir perdas bancárias privadas (na verdade fraudulentas) no orçamento público tornar-se-ia o tema divisivo da Europa no ano seguinte, dividindo a política europeia e ameaçando mesmo romper a Eurozona. 

A VOTAÇÃO DE 9 DE ABRIL 

Um episódio memorável neste combate deve ocorrer neste sábado, 9 de Abril. Os islandeses votarão a sujeição ou não da sua economia a décadas de pobreza, bancarrota e emigração da sua força de trabalho. Pelo menos, isso é o que o programa apoiado pela actual coligação social-democrata–verdes está a pretender quando pressiona por um voto "Sim" no salvamento do Icesave. A sua capitulação financeira corrobora a acção de lobby do Banco Central Europeu em favor da desregulamentação neoliberal que levou à bolha imobiliária e à alavacagem da dívida como se isto fosse uma história de êxito ao invés do caminho para a servidão nacional através da dívida. A realidade foi uma enorme fraude bancária e um negócio de iniciados quando administradores bancários emprestaram o dinheiro para si próprios, deixando uma concha vazia — e dizendo então que era assim que operavam "mercados livres". Prometia-se que incorrer em dívida era o meio de ficar rico. Mas o preço para a Islândia foi que o preço da habitação mergulhou 70% (num país onde devedores hipotecários são pessoalmente passíveis pela sua situação líquida negativa), uma queda do PIB, aumento do desemprego, incumprimentos e arrestos. 

Para por a votação de sábado em perspectiva, é útil ver o que ocorreu no ano passado de acordo com linhas notavelmente semelhantes através da Europa. Para começar, o ano abriu com uma nova sigla: PIIGS, para designar Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain). 

A explosão começou na Grécia. Uma das heranças do regime dos coronéis foi a evasão fiscal por parte dos ricos. Isto levou a défices orçamentais e bancos da Wall Street ajudaram o governo a esconder a sua dívida pública na contabilidade-lixo da "livre empresa". Credores alemães e franceses fizeram então uma fortuna elevando a taxa de juro que a Grécia tinha de pagar pelo seu risco de crédito acrescido. 

Disseram à Grécia para colmatar o défice fiscal através da tributação do trabalho e cobrando mais por serviços públicos. Isto aumentou o custo de vida e o custo de fazer negócio, tornando a economia menos competitiva. Aqui está a resposta do manual neoliberal: tornar a economia num gigantesco conjunto de portagens. A ideia é cortar emprego no governo, reduzir salários no sector público para levar para baixo os salários do sector privado, ao mesmo tempo que cortar nos serviços sociais e elevar o custo de vida com encargos de portagem em auto-estradas e em outras infraestruturas básicas. 

Os Tigres do Báltico abriram o caminho e deveriam ter servido de advertência ao resto da Europa. A Letónia marcou um recorde em 2008-09 ao obedecer aos ditames do comissário da UE para a Economia e Divisas, Joaquin Almunia, e retalhar o seu PIB em 25% e os salários do sector público em 30%. A Letónia não recuperará o seu pico de PIB de 2007 até o ano 2016 — uma década inteira perdida gasta em penitência financeira por acreditar nas promessas neoliberais de que a sua bolha imobiliária era um êxito. 

No Outono de 2009, o primeiro-ministro socialista George Papandreou prometeu numa cimeira da UE que a Grécia não entraria em incumprimento na sua dívida de US$298 mil milhões, mas advertiu: "Não chegámos ao poder para demolir o estado social. Os trabalhadores assalariados não pagarão por esta situação: não procederemos a congelamentos ou cortes salariais". [1] Mas isso é o que parecem fazer os partidos socialistas e sociais-democratas de hoje: apertar os parafusos num grau que partidos conservadores não conseguiriam impunemente. A deflação salarial vai a par com a deflação da dívida e agravamentos fiscais para contrair a economia. 

O programa da UE e do FMI inspirou a versão moderna dos "tumultos FMI" da América Latina, habituais nas décadas de 1970 e 80. O sr. Almunia, o carrasco da economia da Letónia, exigiu reformas na forma de cortes em cuidados de saúde, pensões e emprego público, juntamente com uma proliferação de impostos, taxas e portagens de estradas e outras infraestruturas básicas. 

"NÃO PAGAREI" 

A palavra "reforma" foi transformada num eufemismo para degradar o sector público e para liquidações privatizadoras pelos credores a preços de saldo. Na Grécia esta política inspirou uma revolta de desobediência civil – "Não pagarei" – que se tornou rapidamente "um movimento nacional anti-austeridade. Os apoiantes do movimento recusam-se a pagar portagens nas auto-estradas. Em Atenas eles tomam auto-carros e metro sem bilhetes para protestar contra um "injusto" aumento de 40 por cento nas tarifas". [2] A polícia evidentemente é bastante simpática para abster-se de multar a maior parte dos que protestam. 

Tudo isto está a mudar os alinhamentos políticos tradicionais não só na Grécia mas por toda a Europa. A mentalidade orientadora da política estilo "New Labour" do Tony Blair é lealdade económica a centros financeiros da Europa quando é cortada a despesa governamental, quando a infraestrutura pública é privatizada e quando bancos são salvos com fardos do "contribuinte" que caem principalmente sobre o trabalho. "Tanto os líderes conservadores como comunistas recusaram-se a apoiar o programa UE-FMI. "Este programa está a estrangular a economia grega... ele necessita de renegociação e mudança radical", disse Antonis Samaras, o líder conservador (Ibid.) 

Um artigo do Le Monde acusou o plano UE-FMI de "tratar com desprezo as mais elementares regras de democracia. Se este plano for executado, ele resultará num colapso da economia e dos rendimentos dos povos sem precedentes na Europa desde a década de 1930. Igualmente gritante é o conluio de mercados, bancos centrais e governos para fazer com que o povo pague a conta do capricho arbitrário do sistema". [3] 

A Irlanda é a economia da eurozona mais duramente atingida. Seu partido Fianna Fail, dominante há muito, concordou em assumir perdas bancárias no orçamento público, impondo décadas de austeridade – e a maior emigração forçada desde a Fome da Batata no século XIX. Os eleitores responderam expulsando o partido do governo (ele perdeu dois terços das cadeiras no Parlamento) quando o partido da oposição Fine Gael prometeu renegociar o empréstimo de salvamento de Novembro último da UE-FMI, no valor de US$115 mil milhões, e do programa de austeridade que o acompanhou. 

Um editorial do Financial Times referiu-se ao pacote de "resgate" (um eufemismo para destruição financeira) como a transformação do país num "escravo servil da Europa" [4] Burocratas da UE "querem que contribuintes irlandeses lancem mais dinheiro para dentro dos buracos cavados por bancos privados. Como parte do resgate, Dublim deve acabar com um fundo de pensão erguido quando Berlim e Paris estavam a violar as regras de Maastricht ... enquanto grandes possuidores de títulos são vistos como sacrossantos, vendas de activos a preços de saldo implicam um risco de ainda maiores perdas a serem cobradas aos contribuintes". As promessas da UE de renegociar o acordo auguram apenas concessões simbólicas que não resgatam a Irlanda de fazer com que o trabalho e a indústria paguem pelos imprudentes empréstimos bancários ao país. A opção da Irlanda está portanto entre a rejeição ou a submissão às exigências da UE para salvar todos os banqueiros a expensas do trabalho e da indústria. Isto recorda a ocasião em que disseram ao economista William Nassau Senior (o qual assumiu a posição de Thomas Malthus no East India College) que um milhão de pessoas havia morrido na fome da batata da Irlanda. Ele observou sucintamente: "Isso não é suficiente". De modo que a teoria económica lixo dos neoliberais tem um longo historial. 

O resultado transformou radicalmente a ideia de soberania nacional e mesmo as suposições básicas subjacentes a toda teoria política:   a premissa de que governos actuam no interesse nacional. Como destacou Yves Smith no sítio web Naked Capitalism : 

SAIR DA EUROZONA 

A eurozona ergue-se contra o trilema de Dani Rodrik : A política democrática e o Estado Nação versus o globalismo baseado no sistema de Bretton Woods. Você não pode ter todos os três cantos do triângulo ao mesmo tempo. Os criadores da União Europeia sabiam que o fim do jogo era a dissolução de estados nação. ... Mas o que eles deixaram de prever é que os custos destas crises cairiam sobre os habitantes de estados nação particulares o que os levaria a rebelarem-se contra a integração "inevitável". Enquanto mecanismos democráticos estiverem intactos em muitos dos países que estão a ser pressionados a adoptar a austeridade, a revolta é realmente possível. Economistas argumentam que o custo para algum país sair da eurozona é proibitivo. Mas como é que ele se compara com um programa de "resgate" que virtualmente garante a contracção económica contínua e o despovoamento da Irlanda? Confrontado com estas duas alternativas não atraentes, o desejo de auto-determinação e de punição de coercivos tecnocratas europeus pode fazer com que movimentos supostamente irracionais pareçam obrigatórios. [5] 

O perfil da Europa que está a emergir não é a visão original de mobilizar tecnologia para elevar padrões de vida. Os líderes que originalmente patrocinaram a UE encaravam os estados nação como tendo mergulhado o continente num milénio de guerras. Mas hoje, a finança é o novo modo de travar a guerra. O seu objectivo é o mesmo da conquista militar:   capturar terra e infraestruturas básicas e impor tributos – eufemizados como reembolsos de salvamento (bailout repayments), como se o sistema financeiro fosse necessário para alimentar a indústria e o trabalho ao invés de extrair o seu excedente. 

Prevê-se que os pagamentos de juros de €10 mil milhões do governo irlandês absorvam 80% do rendimento da receita fiscal do governo de 2010. Isto está para além da capacidade de qualquer governo nacional ou economia sobreviverem. Significa que todo crescimento deve ser pago como tributo à UE por ter salvo banqueiros imprudentes na Alemanha e noutros países que não perceberam o facto aparentemente óbvio de que dívidas que não podem ser pagas não o serão. O problema é que durante o intervalo de tempo que se leva para perceber isto, economias serão destruídas, activos esventrados, capitais esgotados e grande parte do trabalho obrigado a emigrar. A Letónia é o perfeito representante disto, com um terço da sua população entre 20 e 40 anos tendo já emigrado ou declarando estar a planear deixar o país dentro de poucos anos. 

O pesadelo da UE é que os eleitores podem acordar do mesmo modo que a Argentina finalmente o fez quando anunciou que as recomendações neoliberais de conselheiros dos EUA e do FMI que adoptara haviam destruído tanto a economia que já não podia pagar. Quando o assunto foi arrumado, não foi difícil impor uma redução (write-down) de 70% aos credores externos. A sua economia agora está em expansão – porque se tornou digna de crédito outra vez, já que se libertou do seu estorvo financeiro! 

Algo parecido ocorreu na América Latina e noutros países do Terceiro Mundo depois de o México anunciar em 1982 que não podia pagar a sua dívida externa. Uma onda de incumprimentos difundiu-se – inspirando reduções de dívida negociadas na forma de Títulos Brady . Os EUA e outros credores calcularam realistamente o que os devedores podiam pagar e substituíram os velhos empréstimos bancários irresponsáveis por novos títulos. Os Estados Unidos e membros do FMI aplaudiram as reduções como sendo um êxito. 

Mas agora contam à Irlanda, Grécia e Islândia histórias de horror acerca do que pode acontecer se os seus governos não cometerem suicídio financeiro. O medo é que os devedores possam revoltar-se, levando a Eurozona a romper com exigências de que economias financiarizadas entreguem todo o seu excedente a credores durante tantos anos quanto se pode avistar, anuindo a exigências dos bancos para que sujeitem uma geração à austeridade, à contracção e à emigração. 

Isto é o que está em causa na eleição deste sábado na Islândia. É também a questão que agora confronta os eleitores europeus como um todo. Estão as economias de hoje a funcionar para os bancos, salvando-os de empréstimos imprudentes impagavelmente altos a expensas do público? Ou será o sistema financeiro controlado para servir a economia e elevar níveis salariais ao invés de impor austeridade. 

Parece irónico que partidos socialistas (Espanha e Grécia), o Partido Trabalhista britânico e vários partidos sociais-democratas se tenham movido para o lado pró banqueiro do espectro político, comprometido em impor austeridade anti-trabalho não só na Europa como também na Nova Zelândia (o exemplo representativo da década de 1990 para a privatização tatcheriana) e mesmo na Austrália. As suas políticas de redução de serviços sociais públicos e de abraço à privatização são o oposto da sua posição de um século atrás. Como é que se tornaram tão desligados do seu eleitorado trabalhista original? Parece que a sua função é impor o que quer que seja da agenda da extrema direita que partidos conservadores não podem conseguir – não diferente de Obama a castrar possíveis alternativas do Partido Democrata a pedido do lobby republicano favorável a mais rubinomics . 

Será simplesmente credulidade? Isso pode ter sido o caso na Rússia, cujos líderes pareciam ter pouca ideia de como defender-se do conselho destrutivo dosHarvard boys e de Jeffrey Sachs. Mas algo mais deliberado infesta o próprio Partido Trabalhista britânico que imitam os conservadores thatcherianos privatizando ferrovias e outras infraestruturas económicas chave com as suas Parcerias Público-Privadas. É a atitude que levou Gordon Brown a ameaçar chantagear a entrada islandesa na UE se os seus eleitores se opusessem a salvar o fracasso da própria agência neoliberal de seguros bancários da Grã-Bretanha em impedir banksters de esvaziarem o Icesave. 

O que parece notável é que os eleitores islandeses podem levar a sério a ameaça do seu primeiro-ministro de que um voto "Não" sobre o salvamento do Icesave levaria o Reino Unido e a Holanda a chantagearem a entrada islandesa. O novo primeiro-ministro conservador tem pouco amor pelo sr. Brown e percebe que os seus próprios eleitores não estão ansiosos por apoiar a entrada de um país que está desejoso de sacrificar a economia interna para pagar banqueiros pelo que parecem empréstimos duvidosos. E quanto ao resto da Europa? Será que render-se a exigências bancárias injustas é realmente o meio de ganhar amigos entre os países PIIGS endividados? Será que estes países querem admitir outro advogado neoliberal que favoreça os bancos em relação às suas economias internas? Ou faria a Islândia mais amigos ao votar "Não"? 

No passado fim de semana meio milhão de cidadãos britânicos manifestou-se em Londres para protestar contra ameaças de cortes em serviços sociais, educação e transportes, e aumentos de impostos para pagar o salvamento feito por Gordon Brown do Northern Rock e do Royal Bank of Scotland. O fardo deve cair sobre o trabalho e a indústria, não sobre a classe financeira britânica. O Daily Express, um jornal que tradicionalmente faz campanhas nacionais, agora está em plena campanha para que a Grã-Bretanha abandone a UE, com muitos dos argumentos com que o país há muito rejeitou aderir ao euro. 

O que há de racional em a Islândia e outros países devedores pagarem, especialmente nesta época? Os acordos propostos dariam à Grã-Bretanha e Holanda mais do que as directivas da UE imporiam. A Islândia tem uma posição legal forte. As advertências social-democratas acerca da UE parecem tão bombásticas que é de perguntar se os membros do Althing [parlamento] estão simplesmente esperando evitar uma investigação do que realmente aconteceu aos depósitos do Icesave do Landsbanki. O Serious Fraud Office britânico recentemente tornou-se mais sério na investigação do que aconteceu ao dinheiro e começou a prender antigos directores. De modo que este na verdade é um estranho momento para o governo da Islândia concordar em incorporar dívidas bancárias podres no seu próprio orçamento. 

A UE tem dado mau conselho à Islândia: "Pague as dívidas do Icesave, garanta os maus empréstimos bancários, isso realmente não custará demasiado. Será razoavelmente fácil para o seu governo assumir isso". Agora pode-se ver que este é o mesmo mau conselho dado à Irlanda, Grécia e outros países. "Razoavelmente fácil" é um eufemismo para décadas de contracção económica e de emigração. 

CONTRACÇÃO IMPOSSIBILITA PAGAMENTO 

O problema é que quanto mais a economia da Islândia contrair, mais impossível se torna pagar dívidas externas. O governo da Islândia está desesperadamente a implorar a adesão à Europa sem perguntar simplesmente qual será o seu custo. A adesão afundaria a taxa de câmbio do krona, contrairia a economia, levaria jovens trabalhadores a emigrarem para terem empregos e para evitar os arrestos das bancarrotas que resultariam da sujeição do país à austeridade. 

Ninguém realmente sabe quão fundo é o buraco. O governo da Islândia não fez uma tentativa séria de efectuar uma análise de risco. O que é claro é que a UE e o FMI têm sido irresponsavelmente optimistas. Cada novo relatório estatístico é "surpreendente" e "inesperado". Na base da hipótese de trabalho do FMI acerca da taxa de câmbio do krona no fim de 2009, por exemplo, a equipe do FMI projectou que a dívida externa bruta seria 160% do PIB. Eles, é preciso admitir, acrescentaram que uma nova depreciação da taxa de câmbio de 30 por cento provocaria uma ascensão precipitada no rácio da dívida. Isto na verdade verificou-se. Anteriormente, em Novembro de 2008, o FMI advertia que a dívida externa projectada para o fim de 2008 podia atingir 240% do PIB, um nível chamado "claramente insustentável". Mas o nível da dívida hoje foi estimado posicionar nos 260% do PIB islandês – mesmo sem incluir a dívida do Icesave defendida pelo governo e algumas outras categorias de dívida. 

Os credores nada perdem ao proporcionarem conselho económico-lixo. Eles mostraram-se bastante desejosos de estimular economias a destruírem-se no processo de tentar pagar – algo como aplaudir trabalhadores de uma central nuclear por andarem dentro da zona de irradiação a fim de extinguir um incêndio. Em relação à Irlanda, a UE pressionou o governo a assumir responsabilidade por empréstimos bancários que acabaram por valer apenas 30% (não é uma gralha!) do seu preço de mercado estimado. Ela disse que isto podia ser feito "facilmente". O governo da Irlanda concordou, ao custo de condenar a economia a duas ou mais décadas de pobreza, emigração e bancarrota. 

O que torna o problema pior é que a dívida em divisa estrangeira não é paga a partir do PIB (cujas transacções são em divisa interna), mas a partir dos rendimentos líquidos da exportação – mais o que quer que seja que governo possa ser persuadido a vender barato a compradores privados. Para a Islândia, a questão tornar-se-ia quanto dos seus produtos e serviços – e recursos naturais e companhias – a Grã-Bretanha e a Holanda comprariam. 

Supõe-se ser da responsabilidade do credor trabalhar com devedores e negociar pagamentos em exportações. Ao invés de fazer isto, os credores de hoje simplesmente exigem que os governos vendam a preços vis sua terra, recursos minerais, infraestrutura básica e monopólios naturais para pagarem credores externos. Estes activos são apropriados no que é, com efeito, um procedimento pré-bancarrota. Os novos compradores então transformam a economia num conjunto de portagens através da elevação de taxas de acesso a transportes, serviços telefónicos e outros sectores privatizados. 

Alguém poderia pensar que a resposta normal de um governo nesta espécie de negociação de dívida externa seria nomear um Grupo de Peritos para estabelecer a posição da economia de modo a avaliar a capacidade de pagar dívidas externas – e estruturar o acordo em torno da capacidade pagar. Mas ali não houve avaliação de risco. O Althing simplesmente aceitou as exigências do Reino Unido e da Holanda sem qualquer negociação. O parlamento nem mesmo protestou contra o facto de ambos os países ainda estarem a correr o relógio do juro sobre os encargos que estavam a exigir. Por que a população da Islândia não se comporta como a da Irlanda ou da Grécia, sem mencionar a Argentina ou os Estados Unidos, e diz as negociadores financeiros da Europa: "Bela tentativa! Mas nós não caímos nela. O seu jogo de credor está acabado! Não se pode esperar de nenhum país que mantenha o compromisso de suicídio financeiro estilo Irlanda, impondo depressão económica e forçando uma grande parte da força de trabalho a emigrar, simplesmente para reembolsar depositantes bancários pelos crimes ou negligência de banqueiros". 

As agências de classificação de crédito tentaram reforçar a tentativa do Althing de por a população em pânico para que votasse "Sim". Em 23 de Fevereiro, a Moody's ameaçou: "Se o acordo for rejeitado, provavelmente degradaríamos as classificações da Islândia para Ba1 ou abaixo". Se os eleitores aprovarem o acordo, contudo, "provavelmente mudaríamos a perspectiva sobre as actuais classificações Baa3 do governo de negativas para estáveis", em vista de uma provável "paralização no remanescente US$1,1 mil milhão comprometido pelos outros países nórdicos e provavelmente também atrasos no programa do FMI da Islândia". 

Talvez não muitos islandeses percebam que as agências de classificação de crédito são, de facto, lobbystas para os seus clientes, o sector financeiro. Poder-se-ia pensar que elas haviam perdido completamente a sua reputação de honestidade – sem mencionar a de competência – ao afixar classificações AAA sobre as hipotecas lixo causadoras primárias do actual crash financeiro global. A explicação é que eles fazem tudo por dinheiro. Elas não são mais honestas do que foi a Arthur Andersen ao aprovar a contabilidade lixo da Enron. 

A meu próprio ponto de vista sobre agências de classificação baseia-se em grande parte na história que Dennis Kucinich me contou no tempo em que era presidente da municipalidade de Cleveland, Ohio. Os bancos e alguns dos seus principais clientes miravam a privatização da companhia de electricidade de propriedade da cidade. Os privatizadores queriam comprá-la a crédito (com os encargos de juro fiscalmente dedutíveis privando o governo de colectar imposto de rendimento sobre as suas tomadas) e elevar drasticamente os preços para pagar exorbitantes salários de executivos, ultrajantes comissões de subscrição aos bancos, opções de acções para os atacantes, pesados encargos de juros aos bancos e um belo almoço gratuito para as agências de classificação. Os bancos pediram ao presidente Kucinich para vender-lhes o banco, prometendo ajudá-lo a ser governo se perdesse o seu eleitorado. 

O sr. Kucinch disse "não". Então os bancos trouxeram os seus brutamontes, as agências de classificação. Elas ameaçaram degradar a classificação de Cleveland, de modo a que não pudesse renovar os empréstimos bancários que tinha normalmente com os bancos. "Vamos tomar a sua companhia de electricidade ou arruinaremos as finanças da sua cidade", disseram eles efectivamente. 

O sr. Kucich mais uma vez disse não. Os bancos executaram a sua ameaça – mas o presidente salvou a cidade de ter os seus rendimentos sugados pelos encargos com a privatização predatória. No momento oportuno seus eleitores elegeram o sr. Kucinich para o Congresso, onde a seguir tornou-se um importante candidato presidencial. 

Assim, retornando ao problema das agências de classificação de crédito, como pode alguém acreditar que concordar em pagar uma dívida impagavelmente alta melhoraria a classificação de crédito da Islândia? Os investidores aprenderam a depender do seu próprio bom senso desde que perderam centenas de milhares de milhões de dólares com classificações temerárias das agências. As agências conseguiram evitar processo criminal ao notar que as letras pequenas dos seus contratos diziam que estavam apenas a apresentar uma "opinião", não uma análise realista pela qual pudessem esperar assumir qualquer responsabilidade profissional honesta! 

A experiência da Argentina deveria proporcionar o modelo de como o cancelamento (writing off) de uma parte significativa da dívida externa torna a economia mais digna de crédito, não menos. E quanto a possíveis processos judiciais, é uma premissa central do direito internacional que nenhum país soberano deveria ser forçado a cometer suicídio económico pela imposição de austeridade financeiro ao ponto de forçar a emigração e a contracção económica. Nações são entidades soberanas. Portanto seria tanto legalmente como moralmente errado que os cidadãos das Islândia gastassem o resto das suas vidas a liquidar dívidas devidas por dinheiro que deveria antes ser uma questão entre o Serious Fraud Office da Grã-Bretanha e as agências de seguro bancário britânicas. 

Inclinar o voto é o alto preço que a Islândia está disposta a pagar para aderir à UE. De facto, quando a Eurozona enfrenta uma crise dos devedores PIIGS, que espécie de UE está em vias de emergir do conflito actual entre credores e devedores? Crescem temores de que a eurozona possa romper-se em qualquer caso. Assim, o governo social-democrata da Islândia pode estar a tentar aderir a uma ilusão – que agora parece estar em ruptura, pelo menos tanto quanto o seu extremismo neoliberal. Ontem mesmo (quinta-feira, 7 de Abril) um editorial do Financial Times comentava ser um desmoronamento prematuro de Portugal diante de exigências da UE: 

PORTUGAL HUMILHADO 

Mais um país da eurozona foi humilhado pelos seus bancos. Na semana anterior, bancos de Portugal ameaçavam diminuir o ritmo de compras de títulos a menos que o governo de gestão pedisse ajuda financeira a outros países da União Europeia. ... Lisboa deveria ter-se fincado na sua posição. ... deveria ainda resistir a fazer o que os bancos pediam: procurando um empréstimo ponte imediato. ... Ao começar antes do tempo, o governo arriscou-se a ter assustando os mercados. Isso pode prejudicar o resultado de negociações acerca da linha de crédito a longo prazo. O governo de gestão não tem a autoridade moral nem política para determinar deste modo o futuro de Portugal. Ele não deveria abandonar precipitadamente os mercados. Isso pode significar pagar altos rendimentos sobre questões de dívida nos meses vindouros – mais altos do que poderiam ter sido se o governo não houvesse dobrado tão cedo a sua mão. ... O momento certo para optar por um resgate externo teria sido no fim de um debate nacional" [6] 

O mesmo deveria ser verdade para a Islândia. Ao olhar o ano passado, parece que a nação islandesa foi utilizada como alvo para um experimento psicológico e político – um experimento cruel – para verificar quanto uma população estará disposta a pagar o que realmente não deve pelo que os iniciados dos bancos roubaram ou emprestaram para si próprios. 

Isto não é apenas um problema islandês. Ele permanece um problema na Irlanda e nos Estados Unidos, bem como na própria Grã-Bretanha. 

A moral é que a execução pelo credor – ou multa voluntária para pagar banqueiros internacionais – se tornou a moda preferida de hoje de guerra económica. É mais barata do que conquista militar, mas o seu objectivo é semelhante: ganhar controle de propriedade estrangeira e impor tributo – de um modo que os pagadores do tributo o aceitem voluntariamente. A terra é apropriada e arrestada – ou, o que vem a ser a mesma coisa, o rendimento do seu arrendamento é comprometido com as agências de bancos estrangeiros que concederam o crédito hipotecário que absorvem a renda líquida. O resultado é austeridade económica e depressão crónica, acabando com a subida nos padrões de vida prometida há uma geração atrás. 

O governo da Islândia parece ter-se desconectado do que é bom para os eleitores e para a própria sobrevivência da economia islandesa. Isto portanto desafia a suposição subjacente a todas as ciências sociais e económicas:   de que as nações actuarão no seu próprio auto-interesse. Esta é a suposição imanente à democracia: que os eleitores perceberão o seu auto-interesse e elegerão representantes para aplicar tais políticas. Para o cientista político isto é uma anomalia. Como é que alguém explica a razão porque um parlamento nacional actua por conta de credores britânicos e holandeses ao invés de fazê-lo no interesse do seu próprio país? 



Notas 
1. Ambrose Evans-Pritchard, "Greece defies Europe as EMU crisis turns deadly serious," The Telegraph (UK), December 18, 2009. 
2. Kerin Hope, "Greeks adopt 'won't pay' attitude," Financial Times, March 10, 2011. 
3. Olivier Besancenot and Pierre-François Grond, "The Greek People are the Victims of an Extortion Racket," Le Monde, May 14, 2010. 
4. Ireland's winter of discontent, Financial Times editorial, March 1, 2011. 
5. Yves Smith, "Will Ireland Threaten to Default?"
Naked Capitalism, March 15, 2011. 
6. "Banks 1, Portugal 0," Financial Times editorial, April 7, 2011. 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Encruzilhada palestina

Encruzilhada palestina
Por Gabriel Matyias*

Fonte: http://www.stopthewall.org/convergence-plan-map-reframing-palestinian-ghettos


Primeiramente, para adentrar Israel, qualquer estrangeiro é passível de passar pelas rigorosas medidas de segurança seja no aeroporto de Ben Gurion, seja numa de suas fronteiras terrestres. Entretanto, excetuando aqueles que são identificados como “potenciais ameaças” (nisso ativistas estão inclusos) os estrangeiros não-árabes ou não-muçulmanos tendem a passar por dificuldades não muito maiores do que em geral passam pessoas de países considerados subdesenvolvidos quando viajam para aqueles considerados desenvolvidos. Porém, para adentrar os territórios, pode pegar tanto os ônibus utilizados por palestinos com visto de entrada para Israel, quanto aqueles para israelenses dentro da Cisjordânia, nos quais não é permitida a entrada de nenhum palestino.

Hoje, 15 de novembro, dia em que celebramos no Brasil a Proclamação da República, marca também um acontecimento importante para o povo palestino. Nesse mesmo dia, em 1988, foi declarado pelo Conselho Nacional Palestino a Independência da Palestina. Passados 23 anos dessa declaração, os palestinos ainda buscam o reconhecimento internacional através de uma vaga como estado-membro na ONU para obterem um Estado viável e independente, dentro das fronteiras anteriores a guerra de 1967. Isso significa, primeiramente, um país com um território exíguo e divido em duas partes principais desconectas: a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Enquanto essa está totalmente cercada, sendo considerada a maior prisão a céu aberto do mundo, aquela está internamente fragmentada, sem contigüidade territorial devido à infra-estrutura civil e militar israelense construída ao longo de mais de 40 anos de ocupações, sobretudo para o benefício de um punhado de colonos e seus assentamentos, o que é ilegal perante a lei internacional. Portanto, o que poderia significar a criação de um Estado independente diante das atuais circunstâncias? Minha recente experiência pessoal como voluntário por três meses nos territórios palestinos ocupados da Cisjordânia permitiu-me perceber em que sintonia se encontra essa discussão em relação a realidade cotidiana da ocupação.

Essa contradição fica ainda mais clara ao sair dos territórios sob ordem militar israelense, pois caso um estrangeiro resolva tomar um ônibus israelense, poderá atravessar diretamente, sem ser parado em nenhum momento, mas o mesmo não acontecerá se utilizarem um meio de transporte para palestinos. Nenhuma das vans utilizadas para transporte público dos palestinos dentro da Cisjordânia (excluindo Jerusalém oriental) pode atravessar livremente os vários postos de controle que, juntamente com a barreira de separação, dividem os territórios israelenses daquele dos palestinos. Para um palestino ir dessa àquele, ele deve descer de seu carro ou de sua vã e adentrar um posto de controle, passando por portas giratórias, detectores de metal, raio-X para bagagens, etc. Aos mais afortunados, é possível tomar um ônibus especial, caso ele tenha o visto apropriado, e atravessar sem passar pelo posto de controle. Para os ainda mais afortunados, as autoridades israelenses podem conceder uma licença e uma placa israelense para o seu carro. Excetuando os palestinos que possuem uma carteira de residente permanente em Jerusalém, esses últimos dois casos são a exceção a regra para maioria esmagadora dos palestinos.

Mas o que acontece se resolverem tomar um ônibus israelense dentro da Cisjordânia? Essa alternativa foi testada hoje por seis ativistas palestinos e todos foram presos. Um deles, Badia Dwaik, é um amigo pessoal e um contato importante para o trabalhado vários voluntários internacionais em Hebron (AL-Khalil em árabe), da qual fui parte. Ele jamais pegou em armas e sempre foi um defensor da resistência não-violenta e da cooperação com organizações e indivíduos israelenses que buscam acabar com a ocupação. Não foi a primeira vez que foi preso por seu ativismo político, pois mesmo legalmente, os palestinos têm direitos extremamente restritos para se manifestarem. A ordem militar israelense 101 considera ilegal nos territórios palestinos ocupados qualquer reunião com um número maior de dez pessoas no qual um discurso político está sendo proferido ou qualquer outro discurso que possa vir a ser político. Mesmo ativistas israelenses dentro dos territórios acabam ficando sujeitos a essas ordens, embora serão apenas detidos ou presos como israelenses. Para um palestino, um ato de desobediência civil como esse pode resultar em seu aprisionamento durante vários anos, algo que jamais aconteceria com um israelense. A atual conjuntura política não se mostra muito favorável a esse tipo de medida draconiana para com esses ativistas que receberam grande atenção da mídia. Não creio que Israel arriscará desgastar ainda mais sua imagem internacional e, provavelmente, logo eles serão todos soltos.

Parece algo simples, apenas uma questão de ônibus diferentes, mas esse fato sintetiza a realidade da ocupação na Cisjordânia e o quão fragmentado encontra-se seu território. Lembro-me de que, quando atravessava a divisão entre Jerusalém oriental e o resto da Cisjordânia, os caminhos variavam muito dependendo do local de onde vinha. Se viesse de Hebron, poderia tomar um taxi ou uma vã especial que passava direto, mas não estava sempre disponível e custava o dobro do preço da outra alternativa, que era tomando uma vã normal para Beit Jala e de lá para Jerusalém. Por essa alternativa, poderia tomar um ônibus especial em Beit Jala que passaria por um outro ponto do posto de controle de Gilo, onde só era necessário descer do ônibus, andar em uma fila, enquanto a polícia de fronteira checava o ônibus, passar por uma porta giratória e voltar para o ônibus. Se escolhesse a opção mais barata, eu poderia tomar uma vã normal em Hebron que pararia na entrada do posto de controle de Gilo. Aí teria de atravessá-lo como qualquer outro palestino, exceto que não os soldados não me trariam como tal.

Caso viesse pelo norte da Cisjordânia para Jerusalém Oriental, pelo posto de controle de Qalandya, teria somente duas opções. Uma seria atravessar o posto como qualquer outro palestino, só sendo diferente o tratamento que receberíamos por parte das forças de segurança. A outra seria através de um ônibus especial que me deixaria em uma fila, onde passaria por uma porta giratória, por um detector de metais, por uma máquina de raio-X para bagagem e por uma cabine onde um ficava um soldado atrás de um vidro à prova de bala, que pediria para que eu lhe mostrasse o passaporte. Depois sairia passando por outra porta giratória e tomaria outro ônibus, pois aquele que tomei já teria partido, mas poderia utilizar o mesmo bilhete de passagem. Havia também a possibilidade para estrangeiros, tanto para quem vem do sul, quanto para quem vem do norte, de utilizar outros postos de controle que ficam no sinuoso caminho entre as íngremes colinas da Judéia, a leste de Jerusalém. Isso consumiria tempo e dinheiro, sendo necessário por vezes tomar três ônibus diferentes.

Mas qual a finalidade de tal estrutura de controle? A resposta mais comum, claro, é a questão da segurança, dos ataques suicidas de militantes palestinos contra civis israelenses. Diante dessa reposta pode-se lança a pergunta: afinal, por que a barreira de separação atravessa os territórios palestinos e incorpora uma população de quase meio milhão de palestinos dentro dos territórios de Israel se a finalidade era a segurança? Por que a barreira não segue a linha verde (as fronteiras antes da Guerra de 1967)? Qualquer resposta deixaria claro um fato: que há uma parte da população israelense vivendo nos territórios ocupados, o que, como já foi mencionado, viola à lei internacional de acordo com a Quarta Convenção de Genebra de 1948. E o que significa essa população vivendo nesses territórios? Significa tudo que já foi dito acima: ônibus segregados; barreiras separando cidades e vilas palestinas; leis diferentes para dois povos vivendo num mesmo território; etc. Então, como factualmente criar um Estado independente e contíguo dentro dessas fronteiras, quando a força ocupante já o dilacerou em vários pedaços, isolou 40% da área de qualquer acesso a seus habitantes, instalou uma população de colonos israelenses que hoje já somam por volta de meio milhão de pessoas e construiu para esses uma infra-estrutura mais conectada a Israel do que ao “resto” da Cisjordânia?

Não é fácil responder essa questão, porém, como qualquer um que vá a Cisjordânia hoje pode perceber, a grande maioria dos palestinos apóia a iniciativa da Autoridade Palestina, apesar de serem céticos quanto a que mudanças positivas poderão advir dela. Mas então para que serviria? Para muitos é o pouco que se pode fazer para conseguir ao menos que num futuro não muito distante um local que ainda possa-se chamar de Palestina. Não importa para a maioria deles qual serão os meios e os detalhes de uma solução para o conflito, desde que seja uma solução justa. Muitos querem a existência de um Estado palestino mesmo que seja apenas pró-forma e a realidade continue desafiando essa iniciativa, pois o reconhecimento formal como Estado perante a comunidade internacional poderia fortalecer e dar bases legais mais amplas e concretas para reivindicação dos palestinos. Seria um passo a frente na estrada para autodeterminação, para a qual os palestinos lutam há mais de meio século.

*Gabriel Matyias, Historiador. Esteve nos Territórios Ocupados da Palestina recentemente em missão de solidariedade pela  EAPPI.

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