terça-feira, 14 de maio de 2013

Al Nakba: 65 anos da tragédia palestina

Os palestinos de Israel - Al Nakba

15 de maio de 1948: A guerra que não terminou

Vinicius Valentin Raduan Miguel*

Todos os anos, nesta data, é relembrado o que os árabes/palestinos chamam de Al'Nakba (A Catástrofe) ou o que os judeus-israelenses comemoram como a Guerra de Independência, quando o Estado de Israel foi criado.


Uma problemática acompanhou a criação do Estado de Israel: Israel é um projeto que prega a exclusividade étnica e lingüística de um grupo (judeu/hebraico) em detrimento de todos os outros. A questão posta nos anos iniciais da colonização era "como lidar com a população árabe que lá vivia?". A solução encontrada foi uma deliberada e metódica eliminação física e cultural dos povos tradicionais, uma prática que encontra seu conceito jurídico na definição de "limpeza étnica". Desta forma, no ano de 1948, 531 vilas, 11 áreas urbanas e 30 cidades foram totalmente destruídas. No total, aproximadamente 800.000 pessoas (mais do que metade da população na época) foram expulsas (1) formando a atual massa de quatro milhões de refugiados que habitam os países vizinhos.

Relembrar este dia é fundamental, pois marca uma data que tragicamente não terminou. A Guerra de 1948 não terminou por duas razões: (a) Israel se recusa a reconhecer o crime que cometeu e, desta maneira, aceitar as responsabilidades advindas de sua prática, como aceitar o retorno dos refugiados e/ou indenizar os sobreviventes expulsos de suas terras e; (b) o fator ideológico que motivou a guerra persiste. Em outras palavras, o projeto de Israel enquanto Estado sem árabes continua e a prática de limpeza étnica é um fantasma constante.

A analogia com o apartheid (2) é evidente: um Estado de brancos sem negros é inaceitável, mas um Estado de judeus sem árabes é permissível. Esta é a origem de todos os conflitos na região - muito além da concepção reducionista de embate apocalíptico-religioso em que uma aliança "Européia/Ocidental/Cristã" da "bondade" enfrenta os "malvados" "Orientais/Muçulmanos/Anti-Cristãos"3. Mas contestar esta prática racista é violência e a violência do fraco, mesmo que injustificada e em resposta a uma prévia violência, é terrorismo. Em contrapartida, a violência do poderoso se justifica e apresenta-se como legítima defesa!

Falar em enfrentamento entre Israel e Palestina esconde ainda outros problemas, não menos sutis. Mascara-se propositalmente que Israel é um Estado e a Palestina não existe enquanto tal. A Palestina persiste em um limbo jurídico definido como "territórios ocupados", uma condição em que a potência ocupante é responsável de fato pela administração. É sob estes fatos ignorados e falsificados pela mídia que é preciso entender os últimos acontecimentos na região, como a guerra em 2006 contra o Líbano e o recente massacre em Gaza, iniciado em dezembro de 2008.

Palestinos expulsos carregando seus pertenencias durante a Nakba, en 1948.
Foto: Fred Csasznik


A violência israelense, como todas as agressões colonialistas são desproporcionais. Na Guerra de 2006 contra o Líbano, por exemplo, são 44 civis israelenses mortos contra 1191 civis libaneses; na Guerra de 2008-2009 contra Gaza foram (3) civis israelenses contra 926 civis palestinos. Mas não só de nefastas estatísticas que se faz a desproporcionalidade. A cobertura histórica também é desproporcional e são poucas as menções feitas à tragédia árabe-palestina de 1948, contribuindo para seu "apagamento".

Neste sentido, a maior eliminação provocada por este verdadeiro crime de limpeza étnica foi a supressão do acontecimento da História, de maneira que ninguém sequer menciona este outro holocausto (4). Contra isso, celebrar o Dia da Catástrofe é lembrar. É um projeto educativo denunciando a limpeza étnica da Palestina como um projeto inacabado de Israel. Lembrar os métodos e práticas israelenses que se arrastam do passado até os dias de hoje devem servir para impedir que o plano de eliminação da Palestina se concretize. Repetindo o mantra que já nos acostumamos a ouvir: Nunca mais!

(1) PAPPE, Ilan. The ethnic cleansing of Palestine. Oneworld Publications, Oxford: 2007.

(2) Para mais informações, o website http://ApartheidNaPalestina.blogspot.com/ possui uma valiosa coletânea de artigos sobre o assunto.

(3) Não esquecer que existem outros grupos religiosos entre os palestinos, como cristãos
.
(4) Existem projetos de leis no parlamento israelense que buscam inclusive proibir manifestações lembrando o dia!


*Vinicius Valentin Raduan Miguel é cientista social pela Universidade Federal de Rondônia e mestrando em Ciência Política pela Universidade de Glasgow, Escócia.


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A limpeza étnica da Palestina e os mitos da criação de Israel


Assista a entrevista (legendada em português) com o historiador israelense ILAN PAPPE, onde discorre sobre como o sionismo, de forma planejada, executou e continua executando a limpeza étnica da Palestina: ocupação e roubo da terra, eliminação física e expulsão dos palestinos, apagamento da cultura e da história palestina. O mito da "guerra de defesa" de 1948. O mito que os palestinos abandonaram seus lares e terras. . A lógica sionista do massacre de Deir Yassin. O mito da democracia israelense. As perspectivas para o futuro.A perseguição que sofreu na Universidade Uma entrevista de um judeu que foi em busca da verdade e enfrentou todas as pressões com altivez e coragem.




Leia também:

O massacre de Deir Yassin e a limpeza étnica da Palestina


64 anos do Nakba: A limpeza étnica da Palestina e as responsabilidades ocidental e brasileira


A Nakba: A limpeza étnica e o nascimento de Israel



domingo, 12 de maio de 2013

Minha visita à Palestina: o genocídio de um povo

Tive a honra e o prazer de integrar a Segunda Missão de Solidariedade ao Povo Palestino que aconteceu entre os dias 18 e 24 de Abril, organizada pelo Comitê pelo Estado Palestino, articulação que reúne 70 entidades, entre as quais os maiores partidos da esquerda brasileira, as maiores centrais sindicais, o MST, organizações da juventude e demais movimentos sociais organizados.


Por Geraldo Galdino*


Tivemos a oportunidade de conhecer cidades, aldeias, povoados, nos reunimos com dezenas de entidades dos movimentos sociais e da luta pela resistência, conversamos com prefeitos, vereadores, governadores, dirigentes do governo, da OLP, e com os diversos partidos que compõe a frente que aglutina todos os setores que clamam por um Estado Palestino.


Brasileiros em missão de solidariedade na Palestina
A Segunda Missão de Solidariedade ao Povo Palestino esteve
na Cisjordânia em abril - Foto
Todos da delegação de 20 pessoas de vários estados tinham a compreensão de que aquele povo é vítima de uma das maiores perseguições da história mundial, mas nos contatos no dia a dia fomos tendo a dimensão real da tragédia que vitima aquele sofrido e pequeno país, muito maior e pior do que imaginávamos. Aquele sentimento de indignação que nos acomete quando assistimos aos filmes sobre o Holocausto foi nos tomando em cada relato, em cada depoimento, nas mostras de vídeos e fotos. Tudo isso nos deixava mais impressionados, mais chocados com os requintes de crueldade com que o governo judeu tenta exterminar um povo e ocupar completamente seu território. Curioso é que em cada reunião que participávamos a cobrança das lideranças era de que ao voltarmos ao país, nós denunciássemos amplamente o que vimos e assistimos, sabedores eles que a mídia internacional passa a imagem de que eles são os "terroristas" e que os judeus seriam as vítimas de perseguição, que "Israel tem direito de se defender" (como repete com frequência Obama, avalista e cúmplice da carnificina promovida por seus parceiros sionistas).

Para entrarmos na Palestina, vindos da Jordânia, nos deparamos com um denominado "check-point" (são cerca de 600 no país) onde assustadores judeus armados com fuzis promovem todo o tipo de constrangimento e provocações a quem tenta visitar o país. Tive a oportunidade de assistir a um judeu argentino humilhar uma senhora palestina que tentava atravessar a fronteira de seu país, umas das cenas mais deprimentes que vi na vida, demonstração cabal do racismo posto em prática contra um povo. O pior de tudo é assistir a isso e nada poder fazer, pois se alguém ousa protestar pode ser preso, acusado de terrorismo e passar o resto da vida na cadeia e nunca mais ter direito de ver a família. É assim que funciona por lá.

Tivemos a satisfação de visitar a bela cidade de Betúnia, onde reside uma comunidade brasileira. Lá fomos recebidos pelo prefeito, vereadores e tivemos a companhia do embaixador do Brasil num ato na prefeitura local. De lá seguimos para um almoço de confraternização num parque infantil onde ouvimos os hinos dos dois países. Bem do lado dessa cidade, em território palestino, existe uma prisão do exército judeu com cerca de mil presos - são mais de cinco mil presos políticos -, o maior do mundo. Todos eles são condenados sumariamente por um tribunal militar sem direito a defesa. Muitos vão morrendo por estarem doentes (impossibilitados de tratamento), outros nas sessões de torturas físicas e psicológicas, que incluem jovens de 12, 13 anos (aqui, texto sobre uma matéria publicada no jornal britânico The Independent, sobre o tema).

Conhecemos na cidade de Cobar dois ex-presos políticos que passaram mais de 30 anos detidos. Um deles conheceu os filhos na prisão - eles também foram presos por participarem de protestos contra a ocupação do país. Muitos jovens fazem questão de ser presos com objetivo de conhecer os pais na prisão. E são condenados a penas desproporcionais por jogarem pedras em soldados invasores (essa modalidade de "crime" é considerada pelo estado judeu como "terrorismo"). Neste pequeno lugarejo vimos cenas que nos deixaram perplexos. Em um vídeo mostrado pelas lideranças locais, os soldados judeus, como fazem em todas as localidades, invadiram a vila com um aparato de guerra gigantesco, assassinaram um jovem palestino com uma bomba no rosto, sequestraram uma criança (que depois vai ser torturada e obrigada e acusar alguém de "terrorismo"), espancaram mulheres, destruíram casas e agrediram com violência os que foram protestar contra a covardia. No geral é assim o dia a dia do palestino, coisas que nos fazem lembrar os horrores praticados por Hitler contra os judeus, que agora, em sua maioria, se calam ou apoiam a carnificina posta em prática por seus governos.

Estivemos em outra vila de nome Bilin, onde as lideranças locais promovem manifestações semanais contra a ocupação. No dia, houve uma partida de futebol em homenagem a um jovem que fora assassinado pelas forças de ocupação e logo depois alguns poucos jovens se concentraram em frente ao "muro da vergonha" ou "muro do apartheid", (com 800 quilômetros de extensão e ladeado por cercas elétricas) e jogaram pedras (uma forma simbólica da luta pela resistência) contra os soldados do outro lado do muro, todos eles devidamente protegidos e imunes às pedras. A resposta do exército sionista foi de cerca de 100 bombas de variados tipos, pimenta, lacrimogêneo, etc. (as armas criadas por Israel são testadas no dia a dia contra o povo palestino, cobaias da máquina de assassinatos dos sionistas). Delegações de várias partes do mundo se concentram no local para assistir à manifestação (inclusive judeus) e mesmo assim, sem qualquer constrangimento, uma brutalidade descomunal é a resposta do Estado terrorista de Israel. Do outro lado do muro, os colonos assistem e se divertem em uma espécie de "camarote" o poder de fogo de suas forças armadas.

A ONU decidiu em 1948, sensibilizada com o Holocausto, dividir o território palestino para abrigar os judeus (os colocando com 52% e deixando os palestinos com 48%). De lá para cá, ancorados num aparato de mortes avassalador e sempre apoiados e sustentados pelos EUA, eles foram ocupando pouco a pouco a parte que não lhe cabia (a metade palestina, que hoje só dispõe de cerca de 12% do que tinham na partição), desrespeitando todos os acordos e leis internacionais. Em todo esse processo ininterrupto deocupação ilegal, com reiterados massacres em massa dos nativos, milhões de palestinos partiram para o exílio (um número calculado atualmente em 6 milhões de pessoas, metade da população palestina).

A Palestina é proibida pelos invasores de ter portos e aeroportos (o que havia em Ramalah foi bombardeado e hoje é zona ocupada pelos sionistas). A água do país, que vem do famoso rio Jordão, é desviada para o território israelense e depois reenviada de onde veio e cobrada do povo. Isto é uma fonte permanente de chantagem, pois a qualquer momento eles reduzem ou cortam a depender da vontade do colonizador. Luz e telefone funcionam da mesma maneira.

Das dezenas de coisas revoltantes que vimos, uma me chamou a atenção por ser uma forma estarrecedora de crueldade. A Palestina, com uma economia frágil, por razões óbvias, tem na agricultura a fonte de renda e sobrevivência de grande parte da população. Lá, há mais de cinco mil anos se cultivam as oliveiras, fonte de produção do azeite de oliva, de qualidade indiscutível. Pois, passando de ônibus nas beiras das estradas, vimos uma vasta área de perder de vista, com todas as árvores arrancadas pelos colonos judeus protegidos pelo exército invasor. Como a religião judaica não permite que se arranque as raízes das plantas, eles deixam apenas um pequeno toco acima da terra. Em outros locais, vimos todas as plantações queimadas. Segundo matéria publicada no site da “insuspeita” revista Veja, somente entre janeiro e setembro de 2011, foram cortadas e queimadas 7.500 oliveiras pelos colonos judeus e desde 1967 foram mais de 800 mil (a matéria pode ser lida aqui).

Quando o nosso guia, um palestino absolutamente generoso e educado, nos informou que na cidade de Hebron tinha uma diferente modalidade de ocupação (os colonos ocupam a parte superior da casa dos palestinos e passam a residir no local), eu confesso que tive dificuldade de entender, supondo ser uma brincadeira. Não era. Vimos de perto. O Estado judeu recruta colonos mundo afora com salários de $7.500 mensais apenas para morar nas colônias. Em Hebron, eles ocupam os lados da cidade e também por cima, e lá de cima, jogam todos os tipos de dejetos nos palestinos embaixo, que usam redes para se protegerem da imundície arremessada pelos judeus.

Numa das reuniões que participamos, o governador de Jerusalém fez uma análise pertinente. Para ele, a política de Israel e das potências aliadas (EUA e União Européia) é de empurrar o povo palestino aos poucos para fora do país e no futuro aquela região ser totalmente dominada e controlada pelos sionistas, que imagina ser ali a “terra prometida, a "terra santa". Ele cita o exemplo de sua cidade, onde os moradores são proibidos de construir novas moradias (e quando constroem, o exército derruba), enquanto ao redor vão sendo construídas mais e mais colônias judias.

Para boa parte dos habitantes, especialmente os jovens no desemprego, em meio a esse cerco hediondo, o melhor é procurar alternativa em outros países, já que seu destino pode ser o cemitério. Um empresário palestino/brasileiro, sem esperanças, me disse em Ramalah que iria embora. Para ele, o futuro do país é ser ocupado integralmente pelos colonizadores assassinos. "Não temos como enfrentar o exército de Israel e os americanos juntos" disse desconsolado. É a política deliberada por Israel/EUA surtindo os efeitos desejados.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano resume assim a atual situação:

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou. Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros. Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos? Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror.

No mesmo período em que estávamos lá, o craque jogador da seleção portuguesa, Cristiano Ronaldo, se recusou a trocar a camisa com jogadores da seleção de Israel alegando "não usar camisa de assassino".

Muitos palestinos falam que o que o país vem passando trata-se de uma “faxina étnica”. Alguns por lá comparam o sionismo ao nazismo. Galeano fala em “guerra de extermínio de um povo”. Não devemos duvidar: está em curso na Palestina uma política deliberada de expulsar/destruir uma população sem que nada seja feito pela “comunidade internacional”, essa associação de estados imperialistas que já invadiu e bombardeou outros países com o argumento cínico de “razões humanitárias”. Todos os amantes da paz, da liberdade e da autodeterminação dos povos devem apoiar a luta em defesa do Estado Palestino e contra o genocídio de seu povo.

Outras missões de solidariedade vão acontecer e todos estão convidados a conhecer esse pequeno e bonito país de uma gente maravilhosa, hospitaleira, que em que pese todo o sofrimento, resiste com altivez e perseverança.

Geraldo Galindo é presidente do PCdoB em Salvador (BA)

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