domingo, 11 de dezembro de 2016

Israel já tenta controlar tecnologia militar brasileira


No vácuo aberto por crise da Odebrecht, Elbit domina fornecimento de drones e sistemas de comunicação das Forças Armadas


Breno Costa - The Intercept - set/2016

Relaçao militar Brasil-Israel-Odebrech
Odebrecht é acusada de seguidas violações de Direitos Humanos na Palestina. / Reprodução


A crise financeira gerada pelas descobertas da Operação Lava Jato sobre os negócios do grupo Odebrecht acaba de provocar um efeito secundário preocupante: o crescimento expressivo, dentro do Brasil, da principal fabricante mundial de drones de uso bélico e alvo de fortes críticas de organizações de direitos humanos.

No último dia 5, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovou a venda dos negócios de comunicação militar da Mectron Engenharia, empresa da área de defesa do grupo Odebrecht, para a Elbit Systems. Essa companhia é responsável pela fabricação de quase todas as aeronaves não tripuladas usadas por Israel em bombardeios na Faixa de Gaza, além de ter papel preponderante na vigilância que envolve o muro erguido pelos israelenses para separar o país do território palestino. Na última ofensiva de Israel, em 2014, a organização Defense for Children International relatou que 164 crianças foram mortas em ataques executados por drones fabricados pela Elbit.

A Elbit é a maior companhia privada da área militar dentro de Israel. Somente com a produção de drones e a venda deles para o Exército de Israel e forças armadas de outros países em todo o mundo, a empresa faturou US$ 1,2 bilhão em 2015, conforme seu último balanço.

Devido a esse envolvimento direto da Elbit Systems nas ações militares de Israel, a corporação é alvo de boicotes internacionais entre defensores dos direitos humanos e da causa palestina, mas também por parte de governos estrangeiros, que acabaram vetando negócios com a empresa. Entre eles, estão Suécia, Noruega, Dinamarca (cujos fundos de pensão retiraram investimentos feitos na empresa) e, mais recentemente, a França, que, em fevereiro deste ano, anunciou que não compraria mais drones produzidos pela Elbit.

No Brasil, entretanto, a companhia israelense opera normalmente. E com força. Desde 2008, quando a Elbit em Israel passou a ser vinculada com violações de direitos humanos depois que o Conselho de Direitos Humanos da ONU considerou que os ataques apoiados por drones na ofensiva de 2008-2009 contra a Palestina representaram graves violações de direitos humanos e possíveis “crimes de guerra e crimes contra a humanidade“, a principal subsidiária da empresa dentro do Brasil já recebeu mais de R$ 456 milhões das Forças Armadas Brasileiras, especialmente da Aeronáutica, de acordo com dados do Portal da Transparência do governo federal.

A empresa já tinha três subsidiárias dentro do Brasil. A principal delas, que atua na área de drones, é a AEL Sistemas Ltda, com sede em Porto Alegre.

O único sobressalto que os israelenses tiveram em suas operações no Brasil aconteceu no final de 2014, quando o então governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT) cancelou um acordo assinado no ano anterior com a AEL, que permitia financiamentos públicos à empresa, além de acesso a tecnologias produzidas por universidades gaúchas. O objetivo da parceria era a construção de um parque aeroespacial militar no Estado.

É essa empresa que irá herdar os negócios da Mectron na sensível área de comunicação militar – incluindo o desenvolvimento de computadores de missão para drones.

No pacote negociado, também estão sistemas de Rádio Definido por Software (RDS) e outros sistemas de comunicação, além, claro, de todos os contratos vigentes da Mectron com as Forças Armadas brasileiras. Nesse grupo está incluído, entre outros, um contrato de R$ 193 milhões com a Força Aérea Brasileira, assinado em 2012 e ainda vigente, para a produção de um moderno e inovador sistema de comunicação entre caças e torres de comando (projeto LinkBR-2).

Os israelenses da Elbit agora terão controle sobre isso – desde que as nossas Forças Armadas autorizem que os contratos da Mectron sejam repassados para a Elbit. Consultada a respeito pelo The Intercept Brasil, a FAB respondeu apenas que “O assunto está sendo analisado pela Força Aérea Brasileira”.

Para Michel Temer, drones usados no Brasil têm “resultado extraordinário”

A chegada dos drones israelenses ao Brasil começou em 2010. Em dezembro daquele ano, a Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate, vinculada ao Comando da Aeronáutica, acertou com a Aeroeletrônica (antigo nome da AEL, mas já controlada pela Elbit), o fornecimento de dois drones Hermes 450, fabricados pela empresa israelense.

Operação lava jato e Israel
Drone Hermes 450 em operação | Foto: Sgt. Johnson/Força Aérea Brasileira


Esses drones foram contratados sem licitação. O argumento do governo era a notória especialização da fabricante. De fato, o drone já tinha sido testado em combate havia pouco tempo. Na ofensiva de 2008-2009 ao território palestino, Israel usou e abusou desses mesmos drones para lançar bombas contra, supostamente, alvos militares.Centenas de civis morreram.

Naquele mesmo ano, no Brasil, a Polícia Federal também contratou drones, mas da EAE Soluções Aeroespaciais Ltda, uma joint ventureformada entre o grupo brasileiro Synergy, dos donos da Avianca, e a empresa estatal israelense IAI (Israel Aerospace Industries).

Em 2012, o então vice-presidente Michel Temer elogiou entusiasmadamente a eficiência dos drones israelenses da Elbit. Ao lado de um deles, em entrevista dada na ocasião, o então vice-presidente destacou que o avião não tripulado produz “um resultado extraordinário” e “uma eficiência extraordinária” no controle das fronteiras.



Os contratos de 2010 abriram as portas do Brasil para o mercado de drones. No ano seguinte, a Elbit anunciou uma união com a Embraer para criar uma empresa destinada a produzir aeronaves não tripuladas com design brasileiro, a Harpia Sistemas. Diante da crise econômica no país, a empresa acabou sendo fechada em janeiro deste ano. No entanto, em comunicado aos investidores, a Elbit deixou claro que as empresas “concordaram em trabalhar juntas no futuro”.

Os grandes eventos do país, mais especificamente a Copa do Mundo de 2014, serviram de impulso para as operações da Elbit no Brasil. Apenas em 2013, quando foi realizada a Copa das Confederações, a empresa recebeu R$ 102,6 milhões do governo, e os drones foram usados para monitorar inclusive as manifestações de rua daquele ano. Foi o maior valor registrado até aqui.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Disputa pelo falafel revela a essência racista de Israel

Culinária árabe palestina, falafel
Falafel é um bolinho frito de grão-de-bico bem temperado, prato típico árabe / Reprodução



Por Igor Fuser – Brasil de Fato


Em um mundo dilacerado por disputas geopolíticas, pelo racismo e pelas mentiras midiáticas, até mesmo a simples divulgação de uma receita culinária pode esconder – e, para quem fizer a leitura certa, revelar – as estruturas ideológicas criadas para perpetuar as injustiças.

Pelos misteriosos caminhos do facebook, chegaram até a minha tela duas postagens recentes, que remetem ao mesmo assunto – pratos tradicionais da cozinha árabe, apresentados pelos porta-vozes do sionismo como produtos culturais israelenses.

No dia 30 de novembro, o site da Federação Israelita de São Paulo publicou uma nota que começava com a seguinte frase: “Aprenda a fazer falafel, esse bolinho frito de grão-de-bico, bem temperado e saboroso, que faz parte da culinária israelense.”

Pouco depois, no dia 4 de dezembro, a página do consulado de Israel em São Paulo apresentava o halawi, iguaria servida desde o início do século passado nas lanchonetes de comida árabe no Brasil, como um “típico doce israelense/árabe feito à base de gergelim”.

Só com muita má-fé, desonestidade mesmo, alguém pode apresentar esses dois quitutes como israelenses. O falafel é o prato mais popular em todo o mundo árabe. A origem do nome vem do verbo árabe falfala, que significa "tempero". É consumido pelos árabes do Oriente Médio desde que eles se constituíram como povo, na época do profeta Maomé (Mohamed), no século 7, mas historiadores acreditam que já fazia parte da alimentação no Egito dos faraós, milênios antes da Era Cristã.

Quando os primeiros colonos judeus chegaram à Palestina, no final do século 19, vindos da Europa Oriental, eles não tinham o menor contato com a culinária árabe. Nunca tinham provado o falafel nem o halawi.

Aquela imigração se deu sob o impulso do sionismo, movimento político surgido na Europa, com o objetivo de construir na Palestina um país apenas para os judeus. Desde o início, os colonos sionistas formaram comunidades separadas na Palestina. Viviam à parte, sem se misturar com os árabes, aos quais desprezavam. Mas, espertos que eram, logo incorporaram o delicioso falafel à sua dieta cotidiana.

Pode parecer picuinha denunciar – como fazem intelectuais e ativistas árabes – a apropriação simbólica desses pratos pelos israelenses. Porém os palestinos, vale lembrar, são um povo árabe, e a preservação da sua cultura é parte inseparável da defesa do território.

Em 1948, os colonos judeus se apoderaram, pela força, de 80% das terras da Palestina, embora constituíssem menos de 30% da população, e lá instalaram o Estado de Israel. A maioria dos habitantes árabes foi expulsa e passou a viver, na condição de refugiados, em países vizinhos. Para “convencer” essas famílias a irem embora, as milícias sionistas invadiam aldeias palestinas e massacravam seus habitantes. Moradores do sexo masculino entre 10 e 50 anos de idade eram separados dos demais e executados, perante os olhos da comunidade. Os demais fugiam, apavorados.

Assim nasceu Israel. Os 20% do território palestino que ficaram de fora – a Cisjordânia e a Faixa de Gaza – foram ocupados depois pelos israelenses, por meio da guerra, em 1967, e até hoje mantidos sob seu controle. Lá vigora um regime de segregação racial semelhante ao apartheid da África do Sul.

Nos territórios ocupados, Israel instalou centenas de assentamentos judaicos, localizados nas terras mais férteis, no alto das colinas e ao redor dos mananciais de água, expulsando os moradores locais. Ligando esses assentamentos entre si e a Israel, construiu-se uma moderna rede de estradas, cercadas por arame eletrificado, por onde os palestinos são proibidos de trafegar.

O deslocamento dos moradores locais se dá de forma precária, condicionado à passagem por centenas de postos de controle do exército israelense. Lá os palestinos são humilhados diariamente, submetidos a longas esperas ou à proibição da passagem. Doentes morrem nas ambulâncias bloqueadas nesses check points, gestantes dão à luz e jovens veem frustrado o seu direito à educação por não conseguirem manter a frequência às aulas.

Em Israel propriamente dito, os palestinos constituem uma minoria subalterna. São moradores não judeus no único país do mundo que define a cidadania por um critério religioso. Na escola, as crianças palestinas são forçadas estudar uma versão deformada da “história” dos judeus, que glorifica a ocupação sionista da Palestina, ignorando a cultura islâmica e a riquíssima tradição histórica dos povos árabes.

O curioso é que, ao mesmo tempo que massacram e marginalizam os árabes, apoderando-se das suas terras, os israelenses também se apropriam, sistematicamente, do precioso legado cultural e material que encontraram na Palestina.

O símbolo visual de Israel, presente nos cartões postais, nos cartazes e nas camisetas vendidas aos turistas, não é nada que os sionistas tenham construído nos cem anos de usurpação. É a imagem do Domo da Pedra, um lindíssimo templo religioso muçulmano, situado no coração de Jerusalém, uma cidade anexada, ilegalmente, por Israel.

Em Tel Aviv, a maior cidade israelense, o bairro de maior interesse, repleto de ateliês de artistas, butiques descoladas e charmosos cafés, é Al Jaffa, com suas construções pintadas de branco e as vielas labirínticas no estilo dos típicos centros urbanos árabes. Os antigos moradores foram todos expulsos em 1948, sem indenização, sem nada.

Eu percorri aquelas ruas em 1991, na única vez que visitei Israel, como jornalista. Fazia parte de um grupo convidado pelo governo de lá, recepcionado por judeus brasileiros que haviam imigrado e se tornado cidadãos israelenses. Num dos vários passeios a que eles nos levaram, sempre muito gentis, percorremos a cidade velha de Jerusalém, com suas lojinhas de lembranças e badulaques para turistas. Os donos, comerciantes árabes, nos abordavam na rua, oferecendo seus produtos nos mais variados idiomas.

Nosso guia, um brasileiro-israelense, ficou muito irritado com a cena e tentou nos persuadir a boicotar aqueles humildes vendedores. “Não, não comprem nada desses árabes”, dizia ele. “Amanhã vamos visitar a parte judaica de Jerusalém e vocês poderão comprar as mesmas coisas por lá”.

Por aí se vê que a polêmica em torno do falafel e do halawi, como tudo o que diz respeito ao conflito palestino-israelense, nada tem de inocente.

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